domingo, 18 de outubro de 2020

Língua Portuguesa

 19/10 – Língua Portuguesa

      Olá amigos do Blog boi conectado, façam a leitura do trecho retirado do livro de José Alencar com bastante atenção, na próxima postagem teremos questões sobre o enredo apresentado aqui no blog. Boa leitura!


A PATA DA GAZELA

         [...]

         Estava parada na rua da Quitanda, próximo à da Assembleia, uma linda vitória, puxada por soberbos cavalos do Cabo.

         Dentro do carro havia duas moças; uma delas, alta e esbelta, tinha uma presença encantadora; a outra, de pequena estatura, muito delicada de talhe, era talvez mais linda que sua companheira.

         Estavam ambas elegantemente vestidas, e conversavam a respeito das compras que já tinham realizado ou das que ainda pretendiam fazer

         - Daqui aonde vamos? Perguntou a mais baixa, vestida de roxo-claro.

         - Ao escritório de papai: talvez ele queira vir conosco. Na volta passaremos pela Rua do Ouvidor, respondeu a mais esbelta, cujo talhe era desenhado por um roupão cinzento.

         O vestido roxo debruçou-se de modo a olhar para fora, no sentido contrário àquele em que seguia o carro, enquanto o roupão, recostando-se nas almofadas, consultava uma carteirinha de lembranças, onde naturalmente escrevera a nota de suas encomendas.

          - O lacaio ficou-se de uma vez! Disse o vestido roxo com um movimento de impaciência.

          - É verdade! Respondeu distraidamente a companheira.

          Estas palavras confirmavam o que aliás indicava o simples aspecto da carruagem: as senhoras estavam à espera do lacaio, mandado a algum ponto próximo. A impaciência da moça de vestido roxo era partilhada pelos fogosos cavalos, que dificilmente conseguia sofrear um cocheiro agaloado.

          Depois de alguns momentos de espera, sobressaltou-se o roupão cinzento, e aconchegando-se mais às almofadas, como para ocultar-se no fundo da carruagem, murmurou:

          - Laura! ... Laura! ...

          E como sua amiga não a ouvisse, puxou-lhe pela manga.

          - O que é, Amélia?

          - Não vês? Aquele moço que está ali defronte nos olhando.

          - Que tem isto? Disse Laura sorrindo.

          - Não gosto! Replicou Amélia com um movimento de contrariedade. Há quanto tempo está ali e sem tirar os olhos de mim?

          - Volta-lhe as costas!

          - Vamos para diante

          - Como quiseres.

          Avisado o cocheiro, avançou alguns passos, de modo a tirar ao curioso a vista do interior do carro; mas o mancebo não desanimou por isso, e passando de uma a outra porta, tomou posição conveniente para contemplar a moça com admiração franca e apaixonada.

          Simples no traje, e pouco favorecido a respeito de beleza; os dotes naturais que excitavam nesse moço alguma atenção eram uma vasta fronte meditativa e os grandes olhos pardos, cheios do brilho profundo e fosforescente que naquele momento derramavam pelo semblante de Amélia.

           [...]

           Notando Amélia a insistência do mancebo, ficou vivamente contrariada. Aquele olhar profundo, que parecia despedir os fogos surdos de uma labareda oculta, incutia nela um desassossego íntimo. Agitava-se impaciente, como uma criatura no meio de um sono inquieto ou mesmo de um ligeiro pesadelo.

          Até que abriu o chapeuzinho de sol, para interceptar a contemplação apaixonada de que era objeto. Nesta ocasião, Laura, que frequentemente se debruçava para ver quando vinha o lacaio, retraiu o corpo com vivacidade:

           - Enfim; aí vem!

           - felizmente! Disse Amélia.

           O lacaio aproximava-se a passos medidos; trazia na mão um embrulho de papel azul, que o atrito dos dedos e a oscilação dos objetos envoltos desfizeram, obrigando o portador a apertá-lo de vez em quando.

          Julgando ao cabo de alguns instantes que o lacaio já tocava o estribo da carruagem, Amélia, tomando um tom imperativo, disse para o cocheiro:

          - Vamos! Vamos!

          Ao aceno que lhe fez o cocheiro, o lacaio correu, chegando a tempo de apanhar o carro, que partia ao trote largo da fogosa parelha. Deitar o  embrulho na caixa da vitória, rodear  em dois saltos e galgar o estribo da almofada foi para o criado, habituado a essa manobra, negócio de um instante. Não percebera ele, porém, que, abrindo-se o papel com a corrida, um dos objetos nele contidos escorregara e, justamente na ocasião de deitar o embrulho na caixa do carro, caíra na calçada.

          Laura, que se inclinara com vivo interesse para tomar o embrulho das mãos do lacaio, tivera um pressentimento do acidente, ao ver o papel desenrolado. Fechando-o rapidamente e escondendo-o por baixo do assento da vitória, ela debruçou-se ainda uma vez para verificar se com efeito alguma coisa havia caído. Ao mesmo tempo acompanhava o movimento com estas palavras de contrariedade:

           - Como ele manda isto! Por mais que se lhe recomende!

           Laura nada viu, porque já a vitória rodava ligeiramente sobre os paralelepípedos.

           Nesse momento, porém, dobrando a Rua da Assembleia, se aproximara um moço elegante não só no traje do melhor gosto, como na graça de sua pessoa: era sem dúvida um dos príncipes da moda, um dos leões da Rua do Ouvidor; mas desse podemos assegurar pelo seu parecer distinto que não tinha usurpado o título.

           O mancebo viu casualmente o lacaio quando passara por ele correndo, e percebeu que um objeto caíra do embrulho. Naturalmente não se dignaria abaixar para apanhá-lo, nem mesmo deitar-lhe um olhar, se não visse aparecer ao lado da vitória o rosto de uma senhora, que o aspecto da carruagem indicava pertencer à melhor sociedade.

           Então apressou-se, para ter ocasião de fazer uma fineza, e pretexto de conhecer a senhora, que lhe parecera bonita. Os leões são apaixonadíssimos de tais encontros; acham-lhes um sainete que destrói a monotonia das relações habituais.

           Quando o moço ergueu-se com o objeto na mão, já o carro dobrava a Rua Sete de Setembro. Ficou ele um momento indeciso, olhando em torno, como se esperasse alguma informação a respeito da pessoa a quem pertencia o carro. Sem dúvida a senhora era conhecida em alguma loja de fazendas; talvez tivesse aí feito compras.

           Não obtendo, porém, informações, nem colhendo resultado da pergunta que fizera a um caixeiro próximo, resolveu-se a meter o objeto no bolso e seguir seu caminho.

          [...]

                                          ALENCAR, José de. A pata da gazela. Disponível em:                        http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000084.pdf

Acesso em: 30 set. 20.

             .


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