Olá pessoal tudo bem?
Vamos conhecer a história do Vô Arquimedes?
O bisavô e a dentadura
Eu ouvi esta história de uma amiga, que disse que isso aconteceu, de verdade, em Montes Claros, Minas Gerais.
Para contar a história, é preciso imaginar uma velha fazenda antiga. Dentro da fazenda, uma vetusta (socorro, que palavrão!) mesa colonial, muito comprida, de jacarandá, naturalmente. Em volta da mesa, tudo que mineiro tem direito para um bom almoço: tutu, carne de porco, linguiça, feijão-tropeiro, torresminho, couve cortada bem fina... e nem posso descrever mais, porque já estou com excesso de peso, só de pensar: hum, que delícia!
A família era enorme e comia reunida, em volta da toalha bordada: pai, mãe, avó, avô, filhos, netos, sobrinhos, afilhados, a comadre que ficou viúva, a solteirona que era irmã da vó da Mariquinha... e o bisavô Arquimedes. O bisavô Arquimedes usava dentadura.
Naturalmente, cada integrante tinha a sua frente o seu saboroso prato de tutu, couve, torresmo, feijão-tropeiro, carninha de porco, linguiça, etc. e tal. E todos mastigavam e repetiam porque a fartura, ali, em Montes Claros, naquele tempo, era um espanto, de tanta! E cada um, evidentemente, tinha o seu copo. Pois os copos e o bisavô Arquimedes, diariamente, sofriam a seguinte brincadeira:
- Toninho, ocê vai beber desse copo ai, na sua frente? Olha que o bisavô deixou a dentadura dele de molho, bem no seu copo, Toninho, na noite passada!
- Num foi no meu, não: foi no copo da Maroca! O bisavô deixou a dentadura dentro do copo da Maroquinha!
- Ó gente, num brinca assim que eu fico cum nojo, uai!
O velho bisavô Arquimedes ouvia, sorria, mostrando a dentadura.
Quando chegava o doce de leite, o queijinho, a goiabada e uma tal de sobremesa que tem o nome de "mineiro de botas", que tem queijo derretido, banana, canela, cravo, sei lá mais que gostosuras, o pessoal comia, comia. E depois de comer tanto doce, a sede vinha forte, e a chateação começava, ou recomeçava, ou não terminava.
- Tia Santinha, não beba do copo da dentadura do bisavô, cuidado! Tenho certeza de que a dentadura ficou no seu copo, de molho, a noite inteira!
O bisavô ouvia e ia mastigando, o olhinho malicioso, nem te ligo para a brincadeira, comendo a goiabadinha, o "mineiro de botas", o doce de leite, o queijinho... e mexendo a dentadura pra lá e prá cá, pois a gengiva era velha e a dentadura já estava sem apoio, Mas o bisavô tinha senso de humor... e falava pouco. O pessoal cochichava que ele era mais surdo do que uma porta. Bestagem, porque se existe coisa que não é surda, é porta: mesmo fechada, deixa passar cada coisa...
Um dia, de repente, o bisavô apareceu sem a dentadura.
E como todos perguntaram para ele o que tinha havido, o velho Arquimedes sorriu, um sorriso banguela dizendo:
- Ôces tavam pertubando demais, todos com nojo dela, resolvi não usar, uai!
Aí, a família ficou sem jeito, jurando que não iria falar mais da dentadura, que tudo fora brincadeira, que todos adoravam o velho Arquimedes, que ele desculpasse.
- Tá desculpado, num tem importância. Eu já tava me aborrecendo com a história, mas tão desculpados. Mas até que tô achando bom ficar banguela: vou comer tutu e sopa... e doce de leite mole, ora!
A família insistiu, pediu perdão, mas o bisavô botou fim à conversa, dizendo:
- Ocês num insista. Resolvi e tá resolvido. O dia que eu deixar de resolver, boto a dentadura outra vez!
E passaram-se vários dias. Ninguém mais fazia a brincadeira do copo. De vez em quando, o bisavô lembrava:
- Tô sentindo falta...
- Da dentadura, bisavô?
- Não, da traquinage de ocês... ninguém tá com nojo de beber água no copo, né?
- Ora, o senhor não deve levar a mal, foi molecagem, a gente não faz mais, pode usar a dentadura, bisavô.
Um dia, de repente, o bisavô voltou a usar a dentadura. Todos na mesa se cutucaram e começaram a rir, muito disfarçado, quando bebiam água, pensando... sem dizer, pois haviam prometido.
Depois da sobremesa, boca pedindo água depois de tanto doce caseiro, o velho Arquimedes disse:
- Ôces tão bebendo tanta água, sem nojo...
- Bisavô, era brincadeira!
- Eu também fiz uma brincadeira: durante todo esse tempo que fiquei banguela, minha dentadura ficou de molho, dentro do FILTRO!
ORTHOF, Sylvia et al. Quem conta um conto
São Paulo, FTD, 2001, v. 2 p. 53-58.
(Coleção Literatura em minha casa)
ATÉ AMANHÃ!
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